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sábado, novembro 01, 2014

Finados - morte vista como um milagre

De todas as criações existentes no universo, a mais extraordinária talvez seja a morte. A frase pode ser um tanto paradoxal, mas sem a morte não existiria a vida.
Os biólogos chegam a afirmar que a morte é um dos maiores fenômenos do universo. É para ela que nós crescemos.

 Mas se a morte é um processo natural inerente à vida, por que há tanta rejeição sobre o tema?
Quem sentiu na pele esse tabu foi a professora do Departamento de Enfermagem da UEM, Maria Dalva Barros de Carvalho, autora de uma tese de doutorado sobre o assunto.
A preocupação dela era justamente falar de um fato presente no cotidiano dos estudantes de enfermagem, mas que jamais foi pensado dentro das salas de aula.
 A tese “Sendo com o aluno no mundo da enfermagem: a morte no cotidiano do hospital” foi defendida em 1999. As idéias de Dalva se baseiam em conceitos filosóficos do existencialista alemão Martin Hideggard.
 A morte está na obra “Ser e Tempo” onde ele afirma que ela é a finalidade do viver. O homem, portanto, é um ser para a morte. Nascemos para morrer. Esta é a única verdade.
E quais são as “dicas” para tratar a morte? Essa pergunta foi feita recentemente pelo portal Terra à professora da UEM. Dalva, por ser enfermeira, já se deparou diversas vezes em situações hospitalares em que deveria contar o falecimento de um paciente aos familiares dele.
 Não há caderno de receita. A melhor forma é entender o sofrimento do outro para achar palavras e meios para comunicar a morte. “Mas toda a área da saúde não sabe trabalhar com a questão da perda”, revela.
Ela defende a humanização da morte, o direito do paciente terminal passar suas últimas horas em casa, ao lado dos familiares. É desumana a morte no hospital.



 Na Idade média as pessoas morriam muito cedo. A expectativa de vida era em média de 30 anos, mas também havia muitos nascimentos. No final do século 19, a morte tinha uma conotação familiar. O moribundo morria cercado pelos familiares, fazia testamento, tinha os seus pedidos, recebia visitas. Era uma morte participada.  Mas o século 20 tratou de afastar o assunto das pessoas.
 Dalva, citando o cientista social Rubem Alves, explica que antes, a morte era nossa amiga. A gente morria perto da família. Vivia-se melhor. Hoje a morte é nossa inimiga, algo a ser combatido com se não fosse natural. O capitalismo colocou a morte como se ela estivesse no fim da vida, não mais como um fato que pode acontecer a qualquer momento.
 Uma crítica semelhante vamos encontrar no livro O Tabu da Morte de José Carlos Rodrigues (Achiamé, 1983). Na obra, a morte é compreendida como um produto da história. A morte é ao mesmo tempo banida e presente em toda parte da sociedade industrial, justamente numa sociedade que tem como meta a divinização da vida.
E essa “vida divina” já tomou conta da África e Ásia, continentes que no passado davam outro tratamento à morte. Assim, não se pensa mais a morte cuja indeterminação gera a angústia. Isso talvez possa ser minimizado quando ela é encarada por pessoas menos apegadas às conquistas e bens materiais.
“A morte deve ser vista como uma companheira, uma pessoa que está ao seu lado dizendo: carpe diem, aproveite o dia”, comenta Dalva citando um bordão do filme Sociedade dos Poetas Mortos.
 A professora também chama a atenção para as festas de ano novo, com seus fogos e festas. É uma encenação. Estamos comemorando mais um ano que se passou, menos um ano de nossas vidas. O mesmo acontece em nossos aniversários.
 “Devia ter amado mais, ter chorado mais; ter visto o sol nascer; devia ter arriscado mais e até errado mais; ter feito o que eu queria fazer; queria ter aceitado as pessoas como elas são; cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração”, cantam os Titãs em “Epitáfio”, do último CD da banda, anunciando que existe vida antes da morte.
 Na biologia, há algum tempo, acreditava-se que a pessoa estaria morta assim que o coração parasse de bater. Hoje a medicina adota outros critérios, como a morte cerebral.
Mas os indivíduos morrem e a vida continua. Portanto, há de se pensar na morte que dá sentido à vida. E é na procura desse sentido que as religiões interpretam esse momento inevitável.
A maioria das religiões cristãs prega a existência de paraíso e inferno. Crêem que depois da morte a alma da pessoa pode migrar para o paraíso, para o inferno ou para o purgatório. De acordo com os católicos, a morte é como se fosse um novo nascimento. É a hora do encontro com Deus. A alma nasce para uma nova vida.
 A religião islâmica acredita que depois da morte acontece o juízo universal. Os bons ficarão ao lado de Alá, segundo o Alcorão.
 Já os judeus acreditam que há a terra dos vivos e dos mortos e constantemente estamos atravessando esses dois elos por meio de nossos pensamentos.
 Para Lannis Buljevac Csucsuly, presidente da União Regional Espírita em Maringá, a morte é uma passagem do mundo material para o espiritual. Cada um acorda num mundo espiritual de acordo como viveu na terra. “Os bons são recepcionados pelos bons espíritos e os maus pelos seus desafetos. Quem viveu bem acorda bem”.
 A reencarnação para os espíritas é necessária quantas vezes forem necessárias para evolução espiritual até chegar à condição de espíritos puros. “O numero de reencarnação e diferente para cada espírito”, esclarece Csucsuly.
 Neda Fatheazam, seguidora da Fé Bahá’i, a mais nova religião do mundo, entende a morte como se fosse o começo da vida eterna. Os bahais não acreditam em reencarnação, mas sim, numa vida de etapas: uma no ventre da mãe, a passagem pelo mundo terrestre e depois no espírito. “O espírito sai do corpo como um pássaro sai após a gaiola ser destruída”.
 A morte é o que mais importante acontece em nossas vidas, mas é necessário o desenvolvimento das qualidades espirituais. Segundo os bahais, isso significa honestidade, o reconhecimento de um Deus, justiça. Isso também inclui o respeito aos que morreram, a pratica de atos filantrópicos em nome deles.
 Nilson D’ogum, adepto do Candomblé, explica a morte como uma passagem, não uma extinção total da vida. É uma mudança de estado de plano de existência. Quando um membro da comunidade morre, os vivos fazem um ritual para purificação.
O sacerdote ajuda a família nas dificuldades e libertar o morto das relações terrenas. Até suas roupas são colocadas num balaio. Cerca de um ano depois da morte da pessoa, os orixás respondem através dos búzios se o falecido será cultuado (ancestral) ou não (Ogum). Caso afirmativo, ocorre um novo ritual. São nomeados todos os ancestrais já mortos para receber o novo ancestral.
 “Os ancestrais são como os guardiões do equilíbrio familiar e da disciplina moral da comunidade. A tudo se recorre aos ancestrais. A morte é muito dolorida, é um processo natural quando há vida. Ninguém vive a sua própria vida e ninguém morre para si mesmo”, concluiu.
 A psicanálise trabalha com o conceito da vida e acredita que o destino dela é a morte. Arthur Molina, psicanalista, sintetiza esse pensamento mostrando que desde o momento em que um bebê vem ao mundo, ele luta contra a estimulação. A criança é convocada a reagir. É como a contração pupilar diante de estímulo de luz. “Se contrai para se preservar. É a tensão que nos mobiliza a correr. A intenção da vida é a morte. Freud dizia que estamos sempre desejando retornar a um estado anterior. O estado inanimado”.
 Então, a morte é uma seqüência natural. Mas para quem? O monge budista Eduardo Sasaki filosofa: “A morte existe para aquele que morre ou para aquele que fica? Os ritos funerários, por exemplo, servem pra quem?”. Para Sasaki, a morte brinca com a noção de tempo. É uma passagem dolorosa, mas muito rica para aqueles que ficam, muda existencialmente o ser envolvido. “A gente percebe essa mudança principalmente naqueles que perderam os pais. Renascer dá projeção do ser”.
 A reencarnação existe para os budistas. Ela é necessária até quando o ser descobre as causas do sofrimento. Então, ele se torna um Buda.
( Marcelo Bulgarelli - publicado originalmente em  O DIÁRIO do Norte do Paraná)

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