O mais popular esporte do mundo serve como elemento pedagógico nas salas de aula; paixão pelo futebol contribuiu para alfabetizar alunos repetentes
Marcelo Bulgarelli
Equipe O DIÁRIO
(publicado originalmente em O Diário do Norte do Paraná em 2002)
A professora primária não possuía nenhuma experiência de alfabetização e estava diante de uma turma de crianças repetentes, chamadas de “alunos especiais”. Não sabia por onde começar quando percebeu que os alunos, na segunda-feira, chegavam animadíssimos na sala de aula comentando os jogos de futebol do domingo.
Ela, então, comprou um jornal esportivo que jamais havia lido e começou a lê-lo em sala de aula. Isso atraiu a atenção e a curiosidade dos alunos. A professora descobriu da potencialidade do jornal esportivo se transformar em um texto alfabetizador.
Para Paulo César Rodrigues Carrano, doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense, o caso acima mostra que a professora conseguiu dar sentido a aprendizagem da leitura e da escrita. “Zico driblou o zagueiro” se tornou mais significativo para as crianças do que o chavão “vovó viu a uva”.
Foi assim que esses “alunos especiais” aprenderam a ler a medida em que a professora os deixou conduzir o processo de alfabetização. Não pedagogizou o jornal, mas se valeu da paixão das crianças pelo futebol.
Carrano, organizador do livro Futebol: paixão e política (coleção Sentido da Escola/DP&A Editora), esteve em Maringá para participar de uma palestra na sexta feira e aproveitou para falar da publicação. É uma reunião de textos de pedagogos, jornalistas como Juca Kfouri, do intelectual uruguaio Eduardo Galeano, do escritor Salman Rushdie, entre outros.
A PAIXÃO
A idéia de conciliar futebol e educação partiu de um interesse pessoal pela bola. Antes mesmo de se formar em Educação Física, Carrano sonhava em ser jogador de futebol até que o pai o “beliscou” e ele “acordou”. Era melhor fazer mestrado e doutorado.
Logo percebeu a importância do futebol na sociabilidade de crianças e jovens. Não é simplesmente algo a ocupar o momento ocioso, mas serve como uma metáfora do social. É possível aprender muita coisa numa partida de futebol, dentro e fora do campo.
A coleção trabalha não apenas com o que se passa em sala de aula, mas também das relações externas. O futebol, no caso, entra na temática porque faz parte do universo dos estudantes. Neste ano, ele sugere aos professores que trabalhem com a Copa do Mundo, um leque temático abrangendo relações históricas, sociais, políticas, geográficas e de poder.
Na sala de aula se pode debater, por exemplo, o direito de Felipão em não convocar o Romário. Por outro lado, qual seria a intenção do presidente Fernando Henrique Cardoso em pedir a convocação do “baixinho” justamente em um ano eleitoral? FHC estaria reproduzindo o gesto do General Emílio Garrastazu Médici, em 1970, quando o então presidente queria Dario (Dadá Maravilha) na seleção de João Saldanha. “Eu, pessoalmente, quero o Romário na seleção, mas não concordo com a intervenção autoritária do presidente”, explica Carrano.
INDIVIDUAL X COLETIVO
O livro mostra que não é só a bola que está sendo jogada, mas também as relações sociais. “Se hoje ninguém quer ser hoje jogador de meio de campo ou goleiro é porque todos querem fazer gol, todos querem aparecer sozinhos. O jogador que faz o gol não corre para aquele que lhe deu o passe, mas corre para a torcida ou pra câmera da TV Globo”, observa.
Essa reação personalista vai contra a idéia do futebol como esporte coletivo. A crítica é observada no livro, escrito não apenas para elogiar o mais popular esporte do país, mas também para mostrar como o futebol tem o seu lado perverso.
Durante um debate recente no Rio de Janeiro sobre a CPI do Futebol, Carrano defendeu a integração das torcidas em prol da ética no esporte. Mas os demais debatedores, representantes das torcidas jovens, mostraram que não se preocupam com a ética. Querem apenas que o time vença.
Essas afirmações, segundo o professor, são heranças de relações autoritárias e corruptas que o futebol brasileiro vem se sustentando no decorrer da história e que hoje devem ser debatidas dentro das escolas.
Cada aula é um gol em que o professor deve comemorar junto com os alunos.
Nota: Paulo César Rodrigues Carrano, além de doutor em Educação, é professor de Educação Física e membro do GT Movimentos Sociais da Anped. É torcedor do América F.C., time carioca mais conhecido pelo hino composto por Lamartine Babo do que pelos títulos conquistados
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