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quarta-feira, janeiro 04, 2012

Élvio Rocha

Saudades de Elvio Rocha. E saudades também de seus textos. Textos ternos,  como esse...

Disse à minha companheira, Dodô, no domingo, 1º de janeiro, já no meio da tarde, que tínhamos recebido muitos telefonemas nos desejando um bom 2012. Disse, ainda, que também manifestamos nossos desejos e que, educadamente, retribuímos pelo menos parte dos votos formulados por nossos amigos e parentes.
Dodô não se impressionou. Continuou esticada preguiçosamente no piso frio do meu quarto. Moveu, contudo, os olhos. Primeiro para a direita, fixando o prato plástico com sua ração, a mesma que a alimentou nos últimos meses. Depois, virou-se languidamente para o lado oposto e deu de cara, digo, com o focinho, com um trapo velho, o que sobrou de uma rede antiga no qual costuma se aninhar quando a temperatura cai. Sem qualquer sinal evidente de emoção, voltou a cabeça à posição original e deixou, de novo, que suas pálpebras cedessem ao sono daquela tarde quente, sufocante. Antes disso, suspirou resignada.
Fiquei intrigado com sua displicência. Ela que, em geral, expõe com franqueza seus sentimentos, não deu qualquer importância ao meu comentário. Seria aquele comportamento também uma demonstração de sua franqueza? Penso que sim. Cães não contam o tempo. Vivem o festejam os anos novos a cada dia. Ora expressando o que lhes vai pela alma canina, com repetidas sacudidelas do rabo, ora numa euforia incontrolável quando prenunciam que chegou o momento da caminhada diária, ao lado do dono. E o que dizer, então, do silêncio respeitoso que nos devotam quando seus sentidos captam no ar que estamos em descompasso com o universo...?
Dodô tem sido, ao longo desses tantos anos vividos no atropelo, sem muito tempo para folhear a alegria e sequer para entrincheirar-se no desânimo, quase um anjo. Tal qual Ted Junior, que nos deixou em agosto de 2011, aos 13 anos, já quase um senhor idoso na cronologia canina.
Os anos novos entram e escapam implacáveis do calendário. As rugas vão tatuando a pele. As certezas vão se acomodando no sótão, envoltas em mofo e poeira. As dúvidas formam filas sinuosas, enquanto a razão e a afeição se fazem cada vez mais disciplinadas para nos poupar energias vitais.
Os cães, não. Não são assim brutalmente retaliados pela passagem do tempo. Nem se apercebem de que este escoa pela ampulheta. Creio que só registram a chegada da noite, o prenúncio dos primeiros raios solares. Não cifram nem decifram a vida em números, datas, em ganhos e perdas, como nós. Dedicam-se, e exclusivamente, à felicidade de seus donos, certos de que esta é a fonte, também, de sua alegria e bem estar.
Belos e carinhosos amigos de quatro patas, cuidem-se. Mantenham distância segura de nós, os humanos. E saibam que somos reconhecidos e gratos por se contentarem com as nossas sobras de cada dia; ou melhor, daqueles intervalos que separam o Sol da Lua.   (Elvio Rocha)

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