Em frente ao meu prédio tem um senhor que me acorda aos domingos com um forró bem raiz, gostoso mesmo, sabe? Durante meses foi assim. Quando a esposa dele foi diagnosticada com câncer, a musica parou.
. No dia que eu ouvi o forró novamente fui até a sacada e acenei pra aquele vizinho. A esposa havia melhorado. E meus domingos também.
Percebi hoje que desde o inicio da quarentena, a vida seguia num melancólico silencio. Hoje, sem forró, tentei não me absorver com tanto noticiário, redes sociais. E recorro ao meu direito de prisioneiro. O direito de tentar fugir. Portanto, ouço Tom Jobim.
O piano jobiniano e a voz de Elis ninam o apartamento. A musica me conforta, ilumina. O dia tá bonito, porém inalcançável. Percebo que a musica está deslocada do tempo. O piano insiste.
Não era esse mundo que a música concebeu. Não era esse o país imaginado por aqueles que sonham. E a gente não sabe onde colocar o riso ou a melancolia. Atores que desconhecem o roteiro e tão desmotivados para buscar seus personagens. O que salva é a trilha sonora. “Pra que esse céu, pra que esse mar, pra que?’, pergunta Elis. .
A paisagem é inútil.