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quarta-feira, maio 01, 2019

Alexandre Beck



Meu pai morreu. Muitas e muitas vezes.
De tiro, de frio, enforcado, queimado, crucificado
Matou uma velhinha para roubar joias
Assaltou bancos, invadiu casas
Foi traficante, viciado em drogas e em jogos
Meu pai foi prostituta e menor infrator
Foi preso na África, na Rússia, em Cuba, na França, no Uruguai
Foi torturado no Brasil
Meu pai fundou partidos, fez revoluções, combateu moinhos
foi humilhado, injustiçado e condenado
Foi vendido como escravo, passou fome
Escreveu livros, pintou quadros, pichou muros
Foi bailarina, padre, freira, remador, montanhista, vagabundo
Apaixonou-se, foi traído e traiu, fez aborto
Meu pai foi perseguido por ser homossexual
Morou em prédios de luxo, assentamentos, favela e calçadas
Lutou em guerras, foi cirurgião, político, operário e agricultor
Apanhou da polícia, do padrasto, resolveu crimes
Salvou vidas, foi professor, sofreu como cão e como gente
Teve medo, alegrias, inveja, ciúme, ódio, remorso, mágoa e esperança
Sentiu e sofreu todo tipo de preconceitos
Foi negro, branco, índio, mulher
Cristão, judeu, muçulmano, budista, ateu
Meu pai viveu muitas vidas, em muitas peles
Acredita que quanto mais certezas temos, menos sabemos
E que não se deve julgar uma pessoa
se não somos capazes de compreendê-la
Meu pai lê livros


Alexandre Beck
 1 de maio de 2015

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