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quinta-feira, novembro 10, 2011

A obra de Arte na época de sua reprodutividade


Walter Benjamin

(...)
"Desde a pré-história, os homens são construtores. Muitas formas de arte nasceram e, em seguida, desapareceram. A tragédia surgiu com os gregos a fim de morrer com eles e apenas reaparecer
longos séculos mais tarde, sob a forma de ‘regras’. O poema épico, que data da juventude dos povos atuais, desapareceu na Europa pelo fim da Renascença. O quadro nasceu na Idade Média e não
há nada a garantir a sua duração infinita. Mas a necessidade que têm os homens de morar é permanente. A arquitetura nunca parou. A sua história é mais longa do que a de qualquer outra arte e
não se deve perder de vista o seu modo de ação, quando se deseja tomar conhecimento da relação que liga as massas à obra de arte. Existem duas maneiras de acolher um edifício: pode-se
utilizá-lo e pode-se fitá-lo. Em termos mais precisos, a acolhida pode ser tátil ou visual. Desconhece-se totalmente o sentido dessa acolhida, se não se toma em consideração, por exemplo, a atitude
concentrada adotada pela maioria dos viajantes, quando visitam monumentos célebres. No âmbito tátil, nada existe, deveras, que corresponda ao que é a contemplação no âmbito visual. A acolhida
tátil faz-se menos pela atenção do que pelo hábito. No tocante à arquitetura, é esse hábito que, em larga escala, determina igualmente a acolhida visual. Esta última, de saída, consiste muito menos
num esforço de atenção do que numa tomada de consciência acessória. Porém, em certas circunstâncias, essa espécie de acolhida ganhou força de norma. As tarefas que, com efeito, se impõem
aos órgãos receptivos do homem, na ocasião das grandes conjunturas da história, não se consumam de modo algum na esteira visual, em suma, pelo modo de contemplação. A fim de se chegar a
termo, pouco a pouco, é preciso recorrer à acolhida tátil, ao hábito.
Mas o homem que se diverte pode também assimilar hábitos; diga-se mais: é claro que ele não pode efetuar determinadas atribuições, num estado de distração, a não ser que elas se lhe tenham
tornado habituais. Por essa espécie de divertimento, pelo qual ela tem o objetivo de nos instigar, a arte nos confirma tacitamente que o nosso modo de percepção está hoje apto a responder a novas
tarefas. E como, não obstante, o indivíduo alimenta a tentação de recusar essas tarefas, a arte se entrega àquelas que são mais difíceis e importantes, desde que possa mobilizar as massas. É o
que ela faz agora, graças ao cinema. Essa forma de acolhida pela seara da diversão, cada vez mais sensível nos dias de hoje, em todos os campos da arte, e que é também sintoma de modificações
importantes quanto à maneira de percepção, encontrou, no cinema, o seu melhor terreno de experiência. Através do seu efeito de choque, o filme corresponde a essa forma de acolhida. Se ele deixa
em segundo plano o valor de culto da arte, não é apenas porque transforma cada espectador em aficionado, mas porque a atitude desse aficionado não é produto de nenhum esforço de atenção. O
público das salas obscuras é bem um examinador, porém um examinador que se distrai."
(...)

BENJAMIM, Walter. Os Pensadores. São Paulo, Editora Abril, 1983, pág. 26-27

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