(Reportagem de Leandro Loyolla para a revista Época em 1.11.2010)
Nas ruas estreitas, sinuosas e inclinadas de Petrópolis (RJ), a casa branca, com pedras de granito na base, janelas de madeira, jardim impecável e um velho portão de ferro não chama a atenção. No alto do morro, ela não destoa da paisagem ao redor. Talvez por isso, há quartenta anos, ela tenha sido escolhida para a função que teve. Entre os militares, a casa da rua Arthur Barbosa, 668 , no bairro Caxambu, era tratada pelo codinome Codão. Para quem a conheceu era a Casa da Morte, um cárcere privado mantido pelo Centro de Informações do Exército (CIE). Dentro dela eram torturados e mortos militantes de organizações de esquerda presos pelo braço repressivo da ditadura militar (1964-85). Após o golpe militar de 1964, o governo militar montou sua rede de repressão. Os DOI-Codis eram instalações militares, onde militantes ficavam presos e eram torturados. Eram instalações oficiais criadas para cometer crimes. Com o tempo, no entanto, surgiram os cárceres privados, centros de tortura mantidos pelas Forças Armadas fora de suas instalações oficiais. Como a Casa de Petrópolis, houve uma casa no bairro de São Conrado, no Rio de Janeiro. Em São Paulo houve o Sítio 31 de Março (em referência ao aniversário do golpe militar), na zona sul da cidade, e a casa de Itapevi (SP).
Os cárceres privados surgiram como um modo de driblar isso. Eles evitavam que os companheiros soubessem da prisão de um militante. Nos cárceres, os militantes eram convencidos – na base da tortura, das ameaças e das ofertas financeiras – a colaborar. Se topassem, eram devolvidos às ruas para se integrar a suas organizações, como se nada tivesse acontecido. Mas passavam a informar os repressores e a entregar companheiros para a morte. Tornavam-se “cachorros”. Mais de uma dúzia deles ajudou a desmantelar organizações como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB). A outra função de locais como a casa era torturar e eliminar presos considerados estratégicos, sem deixar rastros. Segundo alguns militares, isso incluía a norma macabra de picotar os corpos em mais de dez pedaços e enterrá-los separadamente. A ideia era que os corpos nunca fossem encontrados. Nesse quesito, a Casa da Morte de Petrópolis foi prolífica. Pelo menos 16 militantes foram trucidados em suas dependências. Eles eram torturados com choques elétricos, espancamentos e diversos tipos de crueldade. Nenhum corpo de quem passou por lá foi localizado até hoje. A única sobrevivente do local foi Inês Etienne Romeu, militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Ela passou 96 dias presa na casa. Não se sabe por que ou como, Inês foi deixada para morrer na rua, mas sobreviveu. O corajoso relato de Inês, que ocupou 23 páginas, é a principal fonte sobre as desumanidades cometidas na Casa. Ao sair de lá, Inês ajudou a localizar a casa e entregou os nomes de 19 torturadores. Eles eram homens do Centro de Informações do Exército. Todos operavam com codinomes. Poucos foram identificados até hoje.
2 comentários :
Bulgarçon, e ainda há quem ache que tudo isso, todo esse morticínio, é fruto de imaginação alheia. Ora...
E saber agora que o único projeto de democracia em que a gente confiava de olhos fechados mensalou, e deu no que deu, hem? O STF tem mesmo de "guardar" esses que nos traíram na forma mais vil, a traição de consciência. Imperdoável...
abs
Enfim, Balestra: Toda desilusão é imperdoável. O que não me conformo é o fato de Chile e Argentina terem avançado muito mais na memória do período ditatorial e por aqui tentam mostrar que as atrocidades nunca ocorreram. Até um jornal defendeu a Ditabranda...
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