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segunda-feira, outubro 15, 2012

A casa da tortura em Petrópols


 (Reportagem de Leandro Loyolla para a revista Época em 1.11.2010) 

Nas ruas estreitas, sinuosas e inclinadas de Petrópolis (RJ), a casa branca, com pedras de granito na base, janelas de madeira, jardim impecável e um velho portão de ferro não chama a atenção. No alto do morro, ela não destoa da paisagem ao redor. Talvez por isso, há quartenta anos, ela tenha sido escolhida para a função que teve. Entre os militares, a casa da rua Arthur Barbosa, 668 , no bairro Caxambu, era tratada pelo codinome Codão. Para quem a conheceu era a Casa da Morte, um cárcere privado mantido pelo Centro de Informações do Exército (CIE). Dentro dela eram torturados e mortos militantes de organizações de esquerda presos pelo braço repressivo da ditadura militar (1964-85). Após o golpe militar de 1964, o governo militar montou sua rede de repressão. Os DOI-Codis eram instalações militares, onde militantes ficavam presos e eram torturados. Eram instalações oficiais criadas para cometer crimes. Com o tempo, no entanto, surgiram os cárceres privados, centros de tortura mantidos pelas Forças Armadas fora de suas instalações oficiais. Como a Casa de Petrópolis, houve uma casa no bairro de São Conrado, no Rio de Janeiro. Em São Paulo houve o Sítio 31 de Março (em referência ao aniversário do golpe militar), na zona sul da cidade, e a casa de Itapevi (SP).



Uma das funções de locais assim era esconder os presos. Ao chegar aos DOI-Codis, os presos eram reconhecidos por companheiros que também eram supliciados lá dentro. Com o tempo, sua organizações criaram redes para distribuir a informação. Assim, os companheiros nas ruas sumiam e as famílias dos presos começavam a procurá-los.
Os cárceres privados surgiram como um modo de driblar isso. Eles evitavam que os companheiros soubessem da prisão de um militante. Nos cárceres, os militantes eram convencidos – na base da tortura, das ameaças e das ofertas financeiras – a colaborar. Se topassem, eram devolvidos às ruas para se integrar a suas organizações, como se nada tivesse acontecido. Mas passavam a informar os repressores e a entregar companheiros para a morte. Tornavam-se “cachorros”. Mais de uma dúzia deles ajudou a desmantelar organizações como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB). A outra função de locais como a casa era torturar e eliminar presos considerados estratégicos, sem deixar rastros. Segundo alguns militares, isso incluía a norma macabra de picotar os corpos em mais de dez pedaços e enterrá-los separadamente. A ideia era que os corpos nunca fossem encontrados. Nesse quesito, a Casa da Morte de Petrópolis foi prolífica. Pelo menos 16 militantes foram trucidados em suas dependências. Eles eram torturados com choques elétricos, espancamentos e diversos tipos de crueldade. Nenhum corpo de quem passou por lá foi localizado até hoje. A única sobrevivente do local foi Inês Etienne Romeu, militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Ela passou 96 dias presa na casa. Não se sabe por que ou como, Inês foi deixada para morrer na rua, mas sobreviveu. O corajoso relato de Inês, que ocupou 23 páginas, é a principal fonte sobre as desumanidades cometidas na Casa. Ao sair de lá, Inês ajudou a localizar a casa e entregou os nomes de 19 torturadores. Eles eram homens do Centro de Informações do Exército. Todos operavam com codinomes. Poucos foram identificados até hoje.
A Casa da Morte foi emprestada ao Centro de Informações do Exército pelo comerciante alemão Mário Lodders. Segundo Lodders declarou quando foi descoberto, ele atendeu a um pedido de um amigo. Lodders morava a pouco mais de 100 metros da casa, em outra casa, no número 120, com uma irmã e um cachorro. Lodders afirmava que não sabia o que acontecia na casa que havia emprestado. Mas Lodders foi reconhecido por Inês Etienne. Ela disse que ele frequentava a casa e até deu-lhe uma barra de chocolate quando estava machucada. Lodders morreu em 2008. Até hoje, no entanto, sua casa no fim da rua tem dois grandes cães bravos. O portão velho tem até um placa com aviso de que a casa hospeda “vira-latas neurótico”. O problema é que, como a via não tem saída, eles ficam soltos na rua. Até hoje o lugar não é convidativo.

2 comentários :

josé roberto balestra disse...

Bulgarçon, e ainda há quem ache que tudo isso, todo esse morticínio, é fruto de imaginação alheia. Ora...

E saber agora que o único projeto de democracia em que a gente confiava de olhos fechados mensalou, e deu no que deu, hem? O STF tem mesmo de "guardar" esses que nos traíram na forma mais vil, a traição de consciência. Imperdoável...

abs

Bulga disse...

Enfim, Balestra: Toda desilusão é imperdoável. O que não me conformo é o fato de Chile e Argentina terem avançado muito mais na memória do período ditatorial e por aqui tentam mostrar que as atrocidades nunca ocorreram. Até um jornal defendeu a Ditabranda...