João Moreira Salles: ser botafoguense é deslumbrante

Eu não tenho fé na metafísica, portanto, essa sensação de que você pertence a uma coisa maior, eu não tenho a graça de sentir isso todo o dia. Eu sinto isso no estádio. Sinto isso no estádio, sinto isso ao lado de 19 ou 20 pessoas (risos), apesar de que na Libertadores enchemos várias vezes o Engenhão.

Mas essa não é a natureza do Botafogo. A natureza é sermos um pouco ‘Brancaleone’. Ter um certo orgulho de ser difícil ser botafoguense, é muito mais fácil ser flamenguista. Todo mundo é, entendeu? Você está amparado pela massa.

Numa sala de aula falam ‘Quem é Flamengo?’, levantam sessenta por cento, quem é Vasco, Fluminense. Quem é Botafogo, são apenas um, dois, três. É muito mais difícil. Tem uma beleza nisso. Tem uma beleza em não se aliar com o poder. Eu sempre acho que os flamenguistas são aqueles que se aliam com o poder. Na França estariam aliados a Vichy e a gente seria resistente.

Eu tenho sempre simpatia… Em qualquer país que eu vou eu pergunto quem é o time que não é o time da maioria, é por esse que vou torcer. Eu não escolhi o Bota por causa disso, mas uma vez que eu sou botafoguense acho isso deslumbrante. E tem momentos transcendentais em que você tem um time que custa um terço do que custa o Flamengo e que, no entanto, está lá em cima por pura valentia, até o limite do que se pode dar. Não tem nada senão fazer um bom trabalho ser valente, no limite do que se pode dar. Não somos um time rico, somos um time deslumbrante, mas não somos um time rico.

E isso tudo se leva pro estádio, isso tudo se leva pro estádio. Também um acerta consciência de que nunca a partida está ganha e isso pra vida também é importante. O botafoguense sempre acha que se tá ganhando de 3x0 aos 40 do segundo tempo, vai virar. E você está preparado para isso. E quando isso acontece na vida, você já tem uma certa tarimba, uma certa experiência. O flamenguista acha que a vitória é obrigação, é dada, é de estilo manifesto, e quando não acontece, enfim, é uma tragédia.

– João Moreira Salles, excertos de entrevista a Pedro Bial no programa ‘Conversa com Bial’, da Rede Globo, em 2017.





Via Mundo Botafogo