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sexta-feira, outubro 24, 2025

Afinal, "Cálice" está ou não está proibida?

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*Reportagem de Lucy Léa |

Revista Amiga - Edição N° 456 - 14/02/1979

AFINAL, CÁLICE ESTÁ OU NÃO ESTÁ PROIBIDA?

Embora a música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, tenha sido proibida em algumas igrejas e programas de rádios pertencentes à Arquidiocese de Natal (RN), ainda não houve qualquer pronunciamento oficial da Igreja no Brasil, representada pela Conferência dos Bispos. Explica Dom Estêvão Tavares Bittencourt que, mesmo que a Conferência dos Bispos não aceitasse a música, "coisa que não acredito, pois a letra de Cálice não chega a ser escandalosa", alguns bispos poderiam ter opiniões contrárias.

Dom Estêvão, que é decano e professor do Centro de Teologia e Filosofia da Universidade Santa Úrsula, professor de Teologia da Escola do Mosteiro de São Bento e membro do Conselho Estadual de Cultura, afirma que a exclusão ou proibição da letra de Chico Buarque em ambientes eclesiásticos se deve ao fato de que "ele trabalhou uma paráfrase do Evangelho. Isto é, de uma prece que Cristo fez no Horto das Oliveiras. 'Afasta de mim esse cálice' foi justamente como Cristo se expressou. Todavia, essa prece usada pelo autor da letra não está desenvolvida segundo o espírito do próprio Cristo. A música é uma longa ladainha de verificação na forma extremamente pessimista, sem expressão de esperança". Para Dom Estêvão, "é realmente necessário denunciar as injustiças e as opressões, mas nosso papel é fazê-lo numa atitude de confiança e fé".

"Melhor seria ser filho da outra" é outro verso com o qual não concorda o religioso. "Realmente isso é indigesto e em si mesmo é símbolo de amargura e desastre total. O emprego dessa letra só pode comunicar certo desalento e abatimento a quem ouve. 'Em palmeira, no povo desprovido' é já mostrar que a dor e o sofrimento são permanentes. Não digo que devemos anestesiar o povo de forma alienante, mas ao falarmos da realidade, com veracidade, jamais devemos terminar simplesmente num tom de negatividade, pois não há sexta-feira santa sem domingo de Páscoa."

Ele não considera Cálice uma música profana. Mas, sim, eminentemente religiosa. "O apelo fundamental é válido, no sentido de alertar os homens para a opressão. Creio, porém, que esse apelo é prejudicado pelo fato de ser tão fechado. Não há uma brecha para a luz. A meu ver, trata-se de uma linguagem vulgar, principalmente quando fala de ser 'filho da prostituída', embora a letra não diga diretamente a palavra. O teor em si é de amargura, mas não vejo assim algo de pecaminoso ou blasfemo. Contudo, não estou de acordo com sua inclusão numa celebração Eucarística."

Outras dioceses podem ter a mesma opinião de Dom Estêvão. Isso, entretanto, não quer dizer que a proibição seja oficial, pois mesmo que a Conferência dos Bispos se pronunciasse contra, não envolveria todos os bispos, que têm livre arbítrio para concordar ou discordar da Conferência dos Bispos. Então não se pode dizer que a Igreja condene a música de Chico Buarque, apesar de muitos bispos não a aceitarem.

Sugere o Decano que compositores como Chico Buarque, Roberto Carlos e muitos outros procurassem seguir o espírito dos textos religiosos que eles interpretam e não os utilizassem apenas como rótulos. "Em Cálice, por exemplo, o texto do Evangelho é mais um rótulo do que propriamente o âmago da reflexão. Eu, em absoluto, não condeno os textos bíblicos nas mensagens desses cantores, mas eles devem usá-los em suas canções sem se distanciar da filosofia e da verdade que eles encerram."

Reportagem de Lucy Léa


Dom Estêvão Tavares Bittencourt não acha que Cálice, de Gilberto Gil (acima) e Chico Buarque (foto maior), seja uma música escandalosa, como vem sendo considerada.

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