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domingo, novembro 09, 2025

Vinicius de Moraes - Revista Domingo - Jornal do Brasil

 Parciais, aprendeu a ler e escrever um dos maiores poetas brasileiros.



"Só sabemos que a escola já se chamou Basílio da Gama", diz a diretora Armandina Chaves Guedes. Os registros da Secretaria Municipal de Educação, porém, confirmam que as escolas Basílio da Gama e Afrânio Peixoto funcionaram na mesma casa durante um breve período. Ou seja: merece a placa.

A amnésia é generalizada. No colégio Santo Inácio, também em Botafogo, onde o poeta fez o curso primário de 1924 e 1929, não há registros do aluno Vinicius. "Desde 1940, cada aluno daqui possui uma pasta com documentos, fotos e anotações. Naquela época não fazíamos esses dossiês e não é possível saber se ele era ou não um bom aluno", esclarece o professor Vicente Paim Costa, coordenador do colégio. Não se tem as notas do aluno, mas sabe-se que foi lá que Vinicius ensaiou seus primeiros passos de compositor, formando um grupo musical com colegas. Tanto o Afrânio Peixoto como o Santo Inácio não foram esquecidos pelo poeta, e são citados no poema Baldada de Botafogo.

Também mereceram versos os finais de semana na praia do Cocotá, na Ilha do Governador, programa da família Moraes nos anos 20. No Rio da Belle Époque, a Ilha, quem diria, tinha praias limpas. Ainda não havia ponte e o bairro era ligado ao resto da cidade por barcas. O tempo tratou de destruir não só a casa dos pais de Vinicius, mas a própria praia de Cocotá — aterrada e transformada em porto na década de 70.


"A cidade aparece mais na obra de Vinicius nos momentos em que ele estava vivendo aqui. Era um homem-esponja, que sugava tudo o que via", define o biógrafo José Castello. Ele diz isso porque Vinicius viveu em muitos lugares. Ora por conta da carreira diplomática — como quando foi para Paris —, ora por conta do amor.

"Num primeiro período, o Rio aparece nos versos de Vinicius por meio do catolicismo. Era a cidade das igrejas. Não há referências explícitas como descrições de lugares, mas seus poemas possuem a atmosfera lúgubre e barroca destes ambientes. O mundo concreto só começa a aparecer de fato quando ele larga a metafísica para se voltar para o cotidiano", localiza o biógrafo. Este segundo momento da poesia de Vinicius foi o auge de seus versos sobre a cidade.

Com a mudança, seu caminho poético ficou livre para a boêmia, a música e a malandragem carioca. "Seu sexto livro, Poemas, sonetos e baladas, publicado quando ele tinha 30 anos e já se tornara um homem de esquerda, é o marco desta passagem. Aí a relação com a cidade torna-se irreversível", diz Castello.

E é a partir de 1956, com Orfeu da Conceição — primeira música da parceria com Tom Jobim —, que a poesia de Vinicius fica mais marcada pela cidade. Definitivamente, a música é a principal ponte entre ele e o Rio.

"A cidade está muito mais presente no letrista do que no poeta. Isso acontece quando ele se liga à MPB e se torna o grande guru da Bossa Nova, que era um movimento da Zona Sul", diz Castello.

Começa então um passeio pelo Rio dos anos 50 e 60, quando Ipanema despontava com seus modismos e os intelectuais elegiam o Antonio's como ponto de encontro.


Foi lá que Francis Hime e Vinicius selaram sua primeira parceria.
"Eu fiz a música de Sem mais adeus e ele me entregou a letra na varanda do Antonio's. Bem ao seu estilo: escreveu a letra na hora, num guardanapo de papel. Lá era uma espécie de prosseguimento do nosso escritório", conta Hime, que se lembra daquela época como "uma festa".

"Quero brincar com
a minha cidade/
Quero dizer
bobagens e falar
coisas de amor
à minha cidade"

*"A cidade mudou.
Partiu para o
futuro/ (...)
Transpondo (...)
o muro/ (...) na
asa dos DC-4s"*


O bar Garota de Ipanema, antes da reforma

Os três garçons do poeta

Eles fizeram a felicidade do poeta com intermináveis idas e vindas à sua mesa. O garçom Arlindo Costa Faria, 53 anos — há 31 no Garota de Ipanema — e os maîtres Zelito Vieira Borges, 56 anos, e Serafim Fernandez Garrido, 48, do Antonio's, formam um trio privilegiado: assistiram de perto às grandes noitadas alcoólicas de Vinicius.

Por sorte, o organismo do poeta não era tão vulnerável ao álcool quanto seu coração às paixões. Pelo menos é o que dizem. "Vinicius nunca ficava bêbado. Ele sabia beber, aliás, ele sabia tudo", lembra Serafim que, a exemplo dos colegas, é fã incondicional do escritor.

Domingo reuniu os três profissionais para desfiar lembranças do poeta. Como não poderia deixar de ser, o encontro ocorreu numa mesa do bar Garota de Ipanema.

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