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sábado, novembro 22, 2025

GERAÇÃO BEAT

 


GERAÇÃO BEAT: O Crepúsculo das Ilusões

Parte 1: Contexto Histórico e Surgimento da Contracultura

Autora: Irene Zaide

"Eia, ó Jovens da Nova Era? Oponde-vos aos Mercenários Ignorantes? Pois temos Mercenários na Caserna, na Corte e na Universidade, que, pudessem eles, reprimiriam a Guerra Mental e prolongariam a Corporal."
— William Blake, citado em A Contracentura, de Theodore Roszak

Estados Unidos, 1947 — Dois anos após a explosão da bomba atômica em Hiroshima, a ortodoxia moral do establishment americano já não se sustentava. O cidadão comum enfrentava dois pesadelos: o apocalipse nuclear ou a rotina opressiva das metrópoles. Enquanto isso, a Guerra Fria, a censura e o macarthismo dominavam o cenário político.

Nesse contexto de conformismo, surgiu a Geração Beat — jovens que rejeitavam o modelo tradicional de vida (casamento, emprego estável, família) e abraçavam a liberdade sexual, o uso de drogas e a valorização das margens sociais. Através de uma produção literária intensa, eles plantaram as sementes da contracultura, desafiando o American way of life e expondo as contradições de uma sociedade obcecada pelo consumo e pela tecnologia da destruição.

Os Pilares da Geração Beat

Jack Kerouac: O Andarilho da Estrada

  • Nascido em 1922, em Lowell, Massachusetts, Kerouac era descendente de canadenses franceses e indígenas.

  • Sua obra mais famosa, On the Road, foi escrita em três semanas em um rolo contínuo de papel, capturando o espírito frenético de suas viagens com Neal Cassady.

  • O livro retrata a figura de Dean Moriarty (alter ego de Cassady), um "anjo dionisíaco" que personificava a liberdade amoral e a busca incessante por experiências.

Allen Ginsberg: O Poeta Profeta

  • Nascido em 1926, em Paterson, Nova Jérsei, Ginsberg teve uma infância marcada pela doença mental de sua mãe, tema do poema Kaddish.

  • Após passar por um manicômio (para evitar acusações criminais), encontrou sua voz literária e abraçou a homossexualidade.

  • Seu poema Uivo (dedicado a Carl Solomon, que conheceu no sanatório) tornou-se um hino da rebeldia beat.

William Burroughs: O Outsider Aristocrata

  • Herdeiro da fortuna das máquinas Burroughs, Burroughs rejeitou seu privilégio para mergulhar no submundo das drogas e da literatura transgressora.

  • Autor de Junkie e Almoço Nu, sua escrita cortante e surrealista influenciou toda uma geração.


Parte 3: Legado e Influência

  • Música: O jazz de Charlie Parker e Dizzy Gillespie foi a trilha sonora dos beats. Bob Dylan e outros artistas dos anos 60/70 absorveram seu espírito de rebeldia.

  • Psicodelia: Figuras como Timothy Leary levaram adiante a exploração das drogas como ferramenta de libertação.

  • Contracultura: Os beats anteciparam movimentos como o hippie e a luta por liberdades individuais.

"E, pensando bem, porque é que alguém como Cassady haveria de ter escrúpulos morais?"
— Reflexão sobre o herói amoral que inspirou uma geração a cair fora do sistema.

O Crepúsculo das Ilusões

Parte 4: Tragédias, Paradoxos e o Legado dos Beats

1. William Burroughs: O Acidente e o Exílio

  • Em um episódio trágico, Burroughs, bêbado, matou acidentalmente sua esposa, Joan, durante uma brincadeira inspirada em Guilherme Tell. Ele conseguiu provar sua inocência, mas o trauma o levou a fugir para a América Latina em busca do Yagé, uma erva alucinógena amazônica.

  • Anos depois, Ginsberg faria a mesma viagem, resultando no livro Yage Letters, uma troca de correspondências entre os dois.

  • Livre das drogas na velhice, Burroughs manteve-se ativo, colaborando com bandas como The Clash e Laurie Anderson.

2. Allen Ginsberg: O Poeta-Profeta Político

  • Ginsberg tornou-se uma figura central nos protestos contra a Guerra do Vietnã, incluindo o "Exorcismo ao Pentágono", onde 50 mil manifestantes tentaram simbolicamente "levitar" o edifício.

  • Seus poemas mantiveram a virulência, como em "Morte à Orelha de Van Gogh", onde atacava o sistema:

    "Eu sou o sistema defensor de alarme pelo radar / nada vejo a não ser bombas (...)"

  • Influenciou Bob Dylan, que herdou seu tom profético em músicas como Masters of War.

3. Jack Kerouac: O Fim da Estrada

  • Kerouac, após o sucesso de On the Road, caiu em contradição: votou em Eisenhower, denunciou amigos como comunistas e isolou-se no alcoolismo. Morreu em 1968, tragicamente, na casa da mãe.

  • Seu legado foi resumido na frase de On the Road:

    "Vamos, cara, temos que ir."
    "Mas para onde, cara?"
    "Não sei, mas temos que ir."

4. Neal Cassady: O Herói Amoral

  • Cassady, o "anjo dionisíaco" que inspirou Dean Moriarty, morreu de overdose em 1968, abandonado ao lado de trilhos de trem após anos de viagens psicodélicas com Ken Kesey.


Parte 5: A Beat Generation e a Contracultura

Do Hipster ao Hippie

  • Norman Mailer, em The White Negro (1957), definiu o hipster (precursor do hippie) como o rebelde que rejeitava o square (o cidadão conformista). A marijuana e o jazz eram seus símbolos.

  • Nos anos 60, os beats dispersaram-se:

    • Ginsberg foi para a Índia e Tibet.

    • Burroughs exilou-se no Norte da África.

    • Gary Snyder tornou-se monge budista no Japão.

Comercialização e Críticas

  • A contracultura foi cooptada pelo sistema: Timothy Leary vendeu sessões de LSD por US$ 4, e bandos como os Hell’s Angels distorceram o anarquismo pacifista dos beats.

  • A crítica literária atacou os beats como "viciados sem causa", ignorando sua contribuição à liberdade artística.


Parte 6: O Legado Imortal

"Esta é a hora de profecia sem morte como consequência."
— Allen Ginsberg

Os beats não foram apenas:

  • Drogados, embora tenham experimentado tudo.

  • Delinquentes, mesmo que tenham quebrado leis.

  • Místicos, apesar do fascínio pelo zen-budismo.

Eles foram a geração que botou um pé fora do sistema e o outro na estrada da vida, inspirando milhões a questionar a sociedade. Sua literatura — On the RoadUivoAlmoço Nu — permanece como um grito de liberdade.

Fim.


BIBLIOGRAFIA BRASILEIRA (trecho final):

  • On the Road (Kerouac), Uivo (Ginsberg), Almoço Nu (Burroughs).

  • Livros como Baby Driver (Jan Kerouac) e Heart Beat (Joyce Johnson) detalham a vida dos beats.

  • "Neal Cassady, o antintellectual, escolheu viver a vida. E morrer a única morte digna de um beat: de overdose."



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