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segunda-feira, outubro 13, 2025

Ari Aster * Jordan Peele




Esta coleção é simplesmente um pilar do terror moderno. São quatro filmes que não apenas definiram a última década do gênero, mas o transcenderam, tornando-se fenômenos culturais e pontos de partida para discussões profundas sobre sociedade, trauma e a natureza do medo. Analisar este "box" é analisar o que há de mais inteligente, ousado e aterrorizante no cinema contemporâneo.

Aqui está uma análise crítica detalhada dos filmes apresentados.


DISCO 1: Os Pesadelos de Ari Aster

Este disco é dedicado à obra de um dos autores mais singulares e implacáveis do terror moderno. Ari Aster não faz filmes para assustar, ele faz filmes para devastar. Suas obras são dissecações brutais do trauma, do luto e das dinâmicas familiares e românticas, usando o horror como um bisturi para expor as feridas mais profundas.

HEREDITÁRIO (Hereditary, 2018)

Hereditário não é apenas um filme de terror; é uma tragédia grega disfarçada de história de casa mal-assombrada. É um filme que começa em um nível de desconforto e dor e só desce mais fundo no abismo, sem oferecer alívio ou catarse fácil.

Análise Crítica: A genialidade de Hereditário reside em como ele funde o horror sobrenatural com um drama familiar insuportavelmente realista. O verdadeiro terror do filme, por grande parte de sua duração, não vem do demônio Paimon ou do culto que espreita nas sombras, mas do luto sufocante e da desintegração completa da família Graham. A dor é tão palpável que o sobrenatural quase se torna um alívio, uma explicação para o sofrimento que, de outra forma, seria sem sentido.

A direção de Aster é meticulosa e sufocante. Sua câmera se move com uma precisão deliberada, e o design de produção, especialmente as maquetes de Annie, transforma a casa em uma prisão psicológica, um palco onde os personagens são meros peões de um destino terrível e inescapável (o título, afinal, é a tese). E, claro, o filme é ancorado por uma das maiores atuações da história do terror: Toni Collette entrega uma performance visceral, crua e absolutamente aterrorizante como Annie, uma mulher desfeita pelo trauma. Hereditário é um filme difícil, punitivo, mas sua exploração do luto como a casa mal-assombrada definitiva o eleva ao status de obra-prima moderna.

MIDSOMMAR: O MAL NÃO ESPERA A NOITE (Midsommar, 2019)
Director Ari Aster points Florence Pugh and her iconic frown in the right direction for a scene in Midsommar (2019)


Se Hereditário foi o horror da escuridão e do confinamento, Midsommar é seu oposto radiante e agorafóbico. É um filme de horror que acontece inteiramente sob a luz do dia, em um cenário pastoral idílico, provando que o pavor não precisa de sombras para florescer.

Análise Crítica: Midsommar é, em sua essência, um filme sobre o fim de um relacionamento, disfarçado de folk horror. Ari Aster o descreveu como um "filme de término", e a jornada de Dani (uma performance extraordinária de Florence Pugh) é uma lenta e catártica libertação de um relacionamento tóxico e de um luto isolador. O horror da comunidade Hårga não está apenas em seus rituais brutais, mas em sua sedutora oferta de pertencimento. Para Dani, que se sentia completamente sozinha em sua dor, a empatia radical e coletiva do culto — eles choram com ela, gritam com ela — é uma força terrivelmente atraente.

Visualmente, o filme é deslumbrante. A estética vibrante, a simetria perfeita e os detalhes ocultos nos murais e runas criam um mundo imersivo e profundamente perturbador. Aster subverte as expectativas do gênero a cada passo. Em vez de escuridão, temos luz ofuscante. Em vez de uma "final girl" que escapa, temos uma "May Queen" que escolhe ficar. Midsommar é uma viagem psicodélica e perturbadora, um conto de fadas sombrio que argumenta que, às vezes, encontrar uma nova família pode ser a coisa mais aterrorizante de todas.


DISCO 2: Os Pesadelos Sociais de Jordan Peele

Este disco é dedicado ao outro grande autor do terror moderno, Jordan Peele. Se Aster explora o trauma pessoal, Peele usa as ferramentas do gênero — suspense, monstros, o bizarro — para dissecar os traumas coletivos da sociedade, especificamente as complexidades do racismo e da identidade na América.

Jordan Peele accepts Best Original Screenplay for ‘Get Out’ onstage during the 90th Annual Academy Awards


CORRA! (Get Out, 2017)

Um filme de estreia que não foi apenas um sucesso, mas um terremoto cultural. Corra! redefiniu o que um filme de terror poderia ser no século XXI, provando que os monstros mais assustadores não são fantasmas ou demônios, mas o racismo liberal e sorridente que se esconde à vista de todos.

Análise Crítica: A genialidade de Corra! está em como ele traduz a experiência da microagressão e da ansiedade racial em uma linguagem de horror perfeitamente calibrada. O "Lugar Afundado" (Sunken Place) é uma metáfora visual brilhante para a paralisia e a falta de voz sentidas diante do racismo sistêmico. O horror não vem de supremacistas brancos de capuz, mas de uma elite branca "progressista" que não odeia os negros; pelo contrário, eles os cobiçam, desejando sua cultura, seu físico, sua "vantagem" — uma forma de racismo talvez ainda mais insidiosa.

Jordan Peele dirige com a precisão de um mestre do suspense, misturando momentos de pavor genuíno com um humor afiado e um comentário social incisivo. O filme é um "thriller social", um termo que o próprio Peele cunhou, e que abriu as portas para uma nova onda de horror com consciência política. Corra! é um filme-evento, uma obra-prima que é ao mesmo tempo um entretenimento de primeira linha e uma das análises mais inteligentes sobre o racismo na América moderna.

NÓS (Us, 2019)



Após o sucesso estrondoso e a clareza temática de Corra!, Jordan Peele entregou uma obra mais ambiciosa, enigmática e aberta a interpretações. Nós é um filme de horror que funciona em múltiplas camadas de alegoria, falando sobre dualidade, privilégio, a culpa da nação e o "outro" que, na verdade, somos nós mesmos.

Análise Crítica: Nós é um filme mais complexo e menos direto que seu antecessor. A ideia dos "Amarrados" (The Tethered) — duplos que vivem em túneis subterrâneos, espelhando as vidas de seus privilegiados correspondentes na superfície — é uma metáfora poderosa para a classe baixa esquecida, a consciência culpada da América ou o lado sombrio que todos nós reprimimos. O horror aqui é o da confrontação. "Quem são vocês?", pergunta a família Wilson. "Nós somos americanos", responde Red, em uma das falas mais arrepiantes do cinema recente.

A performance de Lupita Nyong'o em um papel duplo é simplesmente espetacular, criando duas personagens distintas e aterrorizantes. Peele constrói um universo rico em simbolismo (as tesouras, os coelhos, o "Hands Across America") e dirige as sequências de invasão domiciliar com uma tensão magistral. Embora sua mensagem seja mais ambígua, Nós é um filme mais expansivo em sua mitologia e em seu escopo. É uma obra que exige atenção e recompensa múltiplas visualizações, solidificando Jordan Peele não apenas como um grande diretor de terror, mas como um dos cineastas mais importantes de sua geração.

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