Com apenas quatro meses de vida, Picurucha pode se tornar o responsável por uma importante renovação na música popular brasileira. Por causa dele, sua mamãe, a estrela Rita Lee — já abdicando do rock — pode amenizar o compasso de seu frenesi e entrar numa cadência mais pausada. Ao mesmo tempo que o embalo do rock, a ternura do acalanto. Milagres da maternidade. Pois foi depois que o citado cidadão (registrado na vida civil com o nome de Roberto Lee e também chamado de Bob Lee e Titu) nasceu, que a cantora descobriu “que, apesar do mundo estar espantado, ainda vale a pena colocar uma criança nele”. Entre essa revelação e a inspiração, surgiu o desejo de Rita “compor para crianças, que ainda são puras e têm muito para me dar em troca”. Pois ela está consciente de não ter “muito a falar para quem já está aí”. O seu negócio, agora, é investir no futuro, modelar, com açúcar e com afeto, a alma das crianças.
Enquanto isso, Picurucha vai entusiasmando os pais (o pai é o ex-músico do Conjunto Secos e Molhados, Roberto Carvalho) com seus sorrisos e amenizando as maldades. Muito alheio a todo o drama que sua mãe viveu até ele arribar nesse mundo sublunar. “Bob ainda estava na minha barriga e já sofria as barreiras pesadas desse mundo. Mas ele é uma criança incrível e tirou de letra a covardia que fizeram com sua mãe.”
Roberto, 24 anos, cinco anos mais novo que sua companheira e fundador da Trampo Produções (que atualmente emprega Rita Lee e o Conjunto Tutti Frutti), também só tem louvação para o filho. Assim fala um pai coruja: “Cheguei a tremer pela sorte de meu filho. Principalmente quando Rita esteve durante quinze dias numa cela comum, com mais nove mulheres. Mas Bob é um verdadeiro santo, muito calmo. Ele chora pouco e ri para nós o tempo todo. Agora estamos tranquilos. Bob passou por cima de tudo. Numa boa.”
Não menos coruja que o pai, Rita curte intensamente o filho. “Eu adoro cuidar pessoalmente dele o máximo que posso. Durante a gravidez, li tudo sobre puericultura. Hoje, sei de tudo um pouquinho sobre criancinhas. Meu filho vive rodeado de amor, que acho fundamental. Fiz questão de amamentá-lo ao peito, para que o contato entre mãe e filho fosse o mais completo possível. Entre uma fralda e outra, componho as minhas canções. E faço questão de deixar Bob o mais peladão possível. Quero estar sempre a seu lado, enquanto sentir que ele precisa de mim. Bob Lee — vocês podem anotar — é apenas o primeiro de uma série de filhos.”
Rita Lee quer formar um time de futebol? “Não. Quero ter uma banda familiar, quero ter em casa gente suficiente para formar um bloco de carnaval.”
Enquanto o bloco não sai, Rita vai se recuperando do trauma de sua condenação. Quando a história começou, ela estava grávida de três meses. A polícia fez uma batida em sua casa e encontrou maconha. Ela afirma que devia ser de algum amigo, pois, devido a seu estado, renunciara ao uso de qualquer coisa que pudesse prejudicar seu futuro filho. Mas teve a coragem suficiente para declarar em juízo que, antes, já fumara maconha. Depois de ficar durante quinze dias presa numa cela comum, com mais nove mulheres (assassinas e ladras de carteiras), a cantora, condenada a um ano de reclusão, conseguiu cumprir o resto da pena em prisão domiciliar. Mas mesmo esse período de confinamento, em casa de seus pais, foi relaxado. “Um dos três juízes que fizeram a revisão do meu processo não viu motivos suficientes para a minha condenação. Até o fim desse ano, tudo estará acabado.”
Na casa de seus pais, no bairro paulistano de Vila Mariana, Rita aguardou o nascimento de seu filho. “Eu só podia sair de dia. Depois das sete da noite e nos fins de semana, eu só podia ir à rua com autorização do juiz. Mas considero essa fase de minha vida muito importante. Nesse clima tenso, eu amadureci muito. Na prisão, aprendi muita coisa da vida. As prisioneiras tidas como perigosas para a sociedade são mais sensíveis do que muita gente boa que anda por aí. Elas foram maravilhosas comigo. No dia em que tive um sangramento e chorei muito com medo de perder o menino, as mulheres botaram a boca no trombone. Elas não se conformavam com a prisão de uma grávida. O clima chegou a tal ponto que forçou a minha saída para a casa de papai. Eu saí de lá aos 18 anos, para viver no mundo, e voltava de asas quebradas. Mas sabia que ali ninguém poderia fazer nada contra mim e o filho que eu carregava.”
Desquitada, a cantora não pretende viver uma nova experiência matrimonial. “Eu e Roberto não somos casados. E daí? Não pretendo entrar nessa de segundo casamento.”
Às vezes, por imposições profissionais, Rita tem de se afastar de seu filho. “O máximo que já fiquei longe de Bob foi uma semana. Quase morri de saudade.” Nesses períodos, o garoto fica com a babá, dona Lu, que também foi babá de Rita Lee.
Uma coisa com que Rita não se conforma é com o desgaste que vários artistas vêm sofrendo em certas parcelas da população. “Esses elitistas querem um mártir, alguém que grite, berre por eles. Quando não são atendidos — pois não desejamos usar outra arma que não seja a música — nos picham por aí. Sou a favor da alienação, da alegria e da paz. Cantar e dançar, enquanto isso for possível. Por isso, para o meu público — formado em sua maioria de jovens na faixa dos 15 anos — tenho som e mais som para dar.”
Reportagem de Graça Neiva
Fotos de Mitiko Shiguihara
Para o alívio do fã, três momentos da carreira de Rita Lee: em seu primeiro show após ser liberada da prisão domiciliar; à esquerda, com Os Mutantes, no início da carreira; e à direita, solista, após a dissolução do conjunto.

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