Revista Ilusão - Edição N° 254 - Outubro 1976
ENTREVISTA COM CHICO BUARQUE
Por Bety
Entrevistar o próprio ídolo é, sem dúvida alguma, uma das mais difíceis tarefas para qualquer jornalista, independentemente de tarimba e dos muitos anos de profissão. Principalmente se esse ídolo é o tímido e esquivo Chico Buarque. E, a mim, coube essa difícil porém grata tarefa.
Durante três meses, tentei marcar a entrevista. Primeiro, ligando para sua casa, mas a empregada sempre tinha uma resposta pronta: “Seu Chico acabou de sair...”, “Seu Chico está no banho...”, “Seu Chico está dormindo...”. Cansada de tantas desculpas, consegui descobrir, pela sua gravadora, o dia e a hora em que ele estaria nos estúdios para terminar de gravar um novo disco. Com a cara e a coragem, fotógrafo a tiracolo, fui enfrentar o “monstro sagrado” da música popular.
Como nunca foi pontual, Chico chegou “apenas” com uma hora e meia de atraso. Vestido displicentemente — sandálias, calças de brim e uma camisa azul que contrastava com o verde dos seus olhos — estava lindo! Simpático, sorridente, de cara desmentia a fama de figura esquiva. Concordou com a entrevista e sentou para falar de seu trabalho.
Minha primeira pergunta:
— Dizem que você não vai mais pisar num palco para fazer shows. Isso é verdade?
Chico Buarque:
— Não, eu nunca disse que não mais pisaria num palco! Não vivo programado para afirmar uma coisa dessas. O que acontece é que, no momento, eu só não estou a fim. Sempre fui mais compositor do que cantor, e o palco é algo que me exige muito como pessoa, além de tomar um tempo em que posso estar compondo. No momento, estou mais voltado para o teatro, para o cinema, experiências que me agradam muito e quero desenvolver.
— Você falou de um trabalho voltado para o teatro e cinema. Que trabalho é esse?
Chico Buarque:
— Olha, no momento, estou fazendo muitas coisas. Estou terminando de gravar meu novo disco — ainda sem título —, que deverá ser lançado até novembro. Além disso, estou trabalhando junto com Francis Hime na trilha sonora do filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto, e acabei de traduzir e verter as letras de um musical infantil italiano, Os Saltimbancos. E também estou terminando um musical, junto com Paulo Pontes, O Dia em que Frank Sinatra Vier ao Brasil.
— Mas, e o disco que você ia gravar na Itália com a Ornella Vanoni?
Chico Buarque:
— Ah! Eu ia me esquecendo desse disco! Realmente, ia junto com o MPB4 pra Itália fazer um show e gravar duas faixas, como convidado, no disco de Ornella, uma vez que o disco é composto de músicas minhas. Sabe? Iria mais pra curtir umas férias, descansar a cuca! Faria um show, gravaria um ou dois dias e depois ficaria por lá, vagabundeando. Mas não deu, pois o MPB4 está todo comprometido em shows e não conseguiu uma data pra gente se apresentar lá. O show e o disco ficaram, então, transferidos para o ano que vem.
— Você disse que fazer show é muito cansativo, exige muito. No entanto, agora está trabalhando muito mais do que se estivesse fazendo temporada em teatro.
Chico Buarque:
— Realmente, estou! Mas digamos que é um trabalho que não cansa, além de ser criativo e mais gratificante. Meu novo disco, por exemplo, eu gravei com muito mais garra que o anterior — Sinal Fechado. Compus com mais empolgação. Apesar de algumas músicas como Passaredo, A Noiva da Cidade *e* Basta um Dia terem sido compostas para o filme A Noiva da Cidade e a peça Gota d’Água, respectivamente, e não para o disco, elas foram feitas com muito mais vibração!
— Mas a sua ausência no palco não pode repercutir na aceitação do público ao seu novo trabalho?
Chico Buarque:
— Não creio. Acho que meu trabalho já está bastante solidificado para se ressentir disso. Mas, como eu disse antes, minha fuga dos palcos não é algo definitivo. De repente, posso ter uma ideia para um novo show, ou acordar com vontade de voltar ao palco. Tudo pode acontecer...
Chico: "No momento, estou mais voltado para o teatro e o cinema, experiências que me agradam muito e quero desenvolver."
A uma altura dessas, Chico se levanta e se desculpa:
— Agora tenho de trabalhar!
Na porta do estúdio, dá uma parada e, com um sorriso, me estende a mão:
— Até outro dia, Bety. Foi mesmo um prazer!
Tomara que esse dia chegue logo, porque o prazer foi todo meu!
Foto: Chico Buarque durante a gravação de seu novo disco.
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