Ataques precipitam debates apocalípticos
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| Capa O Diário do Norte do Paraná - 22 de setembro de 2021 |
Interpretações distintas aproximam e distanciam associações entre as profecias e os atentados, mas prevalece a sensação de início do fim
Marcelo Bulgarelli
Da equipe de O DIÁRIO
Se Bush é pássaro pelo que fez, o Oriente Médio aos poucos começa a pagar o preço do que é. Para muitos, principalmente religiosos, a presença do Oriente Médio no início da escalada do que pode ser o fim, revela o sinal do apocalipse. É, portanto, o início do dilúvio de sangue, das trevas, do medo, do fim. Neste domingo, o Oriente Médio, ao se alçar de coadjuvante à condição de ator principal nos discursos que associam os ataques a uma questão de fé, confirma essa impressão do juiz Jorge Aragão.
Os milenaristas se reúnem hoje em um congresso internacional para discutir a atualidade do Apocalipse de São João, o Apocalipse de Pedro, ambos contidos na Bíblia, e os apócrifos, que ainda trazem capítulos até hoje ignorados pela igreja. O encontro, que será no auditório da Biblioteca Municipal Bento Munhoz da Rocha Netto, se estende até o próximo domingo.
— É uma época em que se revive o medo do fim, assim como ocorreu em 1000 e 2000. No entanto, o mundo não acabou e provavelmente não vai acabar agora — afirma o professor Jorge Aragão, da Universidade Estadual de Maringá.
ESPECULAÇÃO
— Falar sobre o fim do mundo dá Ibope, por isso esses profetas estão aparecendo — analisa Aragão. Para ele, apesar de a religião estar sempre sendo invocada por esses grupos, trata-se mais de uma questão política. "Na Antiguidade, o Apocalipse era invocado para justificar o domínio do império romano. Hoje, ele serve para mascarar interesses políticos dos Estados Unidos", afirma.
Aragão lembra que a retórica do "Eixo do Mal" usada por Bush remonta à época em que o Império Romano mandava no povo de Israel. Serve, portanto, para justificar uma intervenção e ocultar os reais fundamentos.
“Os fundamentalistas norte-americanos estão associando os ataques às profecias e isso é muito perigoso”, adverte. O professor lembra que essas ideias acabam convencendo a opinião pública da necessidade de intervenções como as do Afeganistão, Irã e Iraque.
Como historiador, Aragão destaca que os discursos apocalípticos sempre ganham força em momentos de crise. “O Apocalipse é um discurso típico da crise.”
ASTROLOGIA
O astrólogo José Oliveira diz estar certo de que o apocalipse começou nos EUA, e se vai até 2007. Desde 96, segundo Flávio José de Oliveira, signos vindos dos planetas colidem no mesmo ponto e coincidem com tragédias coletivas como o ataque aos EUA, o massacre de Realengo e o tsunami no sul asiático.
“Júpiter sempre teve conotação religiosa. Ele está em conjunção com Saturno, que representa destruição”, explica. “Coincidência ou não, isso cria uma série de inquietações.”
MUNDO ACABA AMANHÃ
A profecia mais famosa do mundo é atribuída ao francês Nostradamus. Ela prevê o fim do mundo para o ano 2023. De acordo com o professor Jorge Aragão, Nostradamus usava um estilo hermético, com linguagem simbólica, o que dificulta a interpretação de suas previsões. Mas muitas delas coincidem com acontecimentos posteriores.
Por exemplo, Nostradamus teria previsto a ascensão de Adolf Hitler, a queda do Muro de Berlim e até o ataque às Torres Gêmeas. “São previsões abertas, vagas, que permitem várias interpretações”, explica Aragão.
PROFECIAS
O pastor Oésio Pedro da Igreja Evangélica da Paz também vê nas profecias bíblicas referências ao fim dos tempos. Ele cita o capítulo 13 do livro de Apocalipse, que fala da besta que domina a Terra. “Essa besta pode ser um sistema opressor, como o capitalismo selvagem.”
Segundo o pastor, os ataques aos EUA revelam a fragilidade do sistema. “O mundo confiava demais na segurança americana, e bastou um grupo de radicais para abalar esse sistema”, diz.
NOSTRADAMUS
Mais explícitas são as interpretações que associam os ataques às profecias de Nostradamus. A mais citada na internet, por exemplo, diz: “No 11º mês do novo milênio, dois pássaros de aço cairão do céu sobre a cidade nova. E o mundo terminará logo depois.”
A “cidade nova” seria Nova York, os “pássaros de aço” os aviões que atingiram o World Trade Center. Mas estudiosos de Nostradamus negam a autenticidade dessa profecia. “Ela não consta em nenhum dos seus livros”, garante Aragão.
BRASIL
No Brasil, o escritor José Mauro de Vasconcelos publicou em 1983 um livro intitulado “O Apocalipse”, onde previa uma guerra entre os Estados Unidos e o Oriente Médio. “Ele acertou muitas coisas”, comenta Aragão. “Mas também errou outras.”
Essa matéria de O Diário do Norte do Paraná, publicada em 12 de setembro de 2001, no dia seguinte aos atentados de 11 de setembro, reflete muito bem o clima de incerteza, medo e especulação que tomou conta da imprensa mundial naquele momento. A análise pode ser dividida em alguns pontos:
O texto foi escrito praticamente “a quente”, quando as informações ainda eram escassas e as imagens do ataque dominavam a televisão. O tom geral é de choque e de busca de sentido: mais do que relatar fatos, a matéria dá espaço para interpretações religiosas, astrológicas, acadêmicas e populares, que tentam encaixar o atentado dentro de uma lógica maior — seja ela histórica, mística ou profética. Isso mostra como o jornalismo regional também acompanhou a tendência global de associar os ataques ao apocalipse e ao fim dos tempos.
A matéria mostra como o imaginário apocalíptico ressurgiu imediatamente após a tragédia.
O professor Jorge Aragão relativiza o discurso do “fim do mundo”, chamando a atenção para seu caráter cíclico: em 1000, em 2000, e agora em 2001.
Ao mesmo tempo, ele aponta o uso político do apocalipse, tanto no Império Romano quanto na retórica de Bush (“Eixo do Mal”), sugerindo que a religião serve como máscara para justificar interesses geopolíticos.
Essa interpretação é sofisticada porque desloca o debate do campo místico para o campo da política, mas não elimina o peso cultural das narrativas proféticas.
O astrólogo José Oliveira introduz previsões de alinhamentos planetários e até datas para o apocalipse. Essa parte da matéria representa o lado espetacular e popular da cobertura, reforçando o tom sensacionalista: a conjunção de Júpiter e Saturno, o “apocalipse até 2007” etc. Isso evidencia como a imprensa, diante de eventos traumáticos, muitas vezes abre espaço para leituras pseudocientíficas que dialogam com a emoção do público.
Um dos eixos centrais é a associação dos ataques a Nostradamus, fenômeno que se espalhou rapidamente pela internet. O texto reproduz a famosa (e falsa) profecia dos “dois pássaros de aço” que cairiam sobre a “cidade nova”. O professor Aragão, porém, cumpre um papel crítico, lembrando que esse trecho não existe nas obras do vidente francês. Isso revela um interessante contraste entre a viralização de mitos no espaço digital (já em 2001) e o papel do jornalismo em checar e contextualizar.
O pastor Oésio Pedro insere uma leitura teológica, interpretando a “besta” do Apocalipse como o “capitalismo selvagem”. Essa visão ressignifica os ataques como metáfora da fragilidade de um sistema que parecia invencível. É uma leitura sociopolítica a partir de um referencial religioso, em contraste com a astrologia e o sensacionalismo.
A matéria se organiza em blocos temáticos (“Especulação”, “Astrologia”, “Profecias”, “Brasil”), o que ajuda a dar ritmo, mas também amplia o caráter de colagem de vozes e interpretações divergentes. Não há uma conclusão firme: o texto prefere expor diferentes discursos, deixando o leitor com a sensação de que o atentado é um enigma que pode ser lido pela religião, pela história, pela astrologia ou pela literatura.
Hoje, reler essa reportagem é perceber como o 11 de setembro foi imediatamente enquadrado no imaginário apocalíptico. Antes de análises geopolíticas mais aprofundadas, o que predominava era a leitura simbólica, a tentativa de domesticar o trauma por meio de narrativas antigas: Bíblia, Nostradamus, astrologia, literatura. Isso mostra o poder da mídia em registrar o imaginário coletivo em momentos de crise, mais do que apenas os fatos.
a matéria é um documento da ansiedade global pós-11/09, revelando como a imprensa local também se apropriou de discursos milenaristas, místicos e religiosos para tentar dar sentido ao absurdo. Ao mesmo tempo, destaca vozes críticas (como Aragão) que já percebiam a instrumentalização política do apocalipse.


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